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Síndrome da Adolescência Normal


( Maurício Knobel)



O processo transitório ao qual todos nós adultos sobrevivemos para chegar até aqui parece muito mais assustador quando na perspectivas de pais e/ou educadores. Por isso cuidados com a saúde mental são importantes, mas respeitar o processo normal da adolescência também é.

Trataremos nos próximos posts um pouco da teoria de Maurício Knobel sobre esta fase de uma forma em que os pais possam entender o que está acontecendo com seu filho. Síndrome da Adolescência Normal são sintomas comuns aos jovens durante este processo de individuação. Estas características aparecerão com maior ou menor intensidade dependendo do meio em que o jovem está inserido. É um processo normal e transitório necessário para alcançar a maturidade.

“Somente quando o mundo adulto compreende e facilita adequadamente a tarefa evolutiva do adolescente, ele poderá desempenhar-se satisfatoriamente, elaborando uma personalidade mais sadia e feliz” Maurício Knobel.

Maurício dividiu em 10 Itens os Sintomas da Adolescência Normal, são eles:

1 - Busca de si e da identidade
2 - Tendência grupal
3 - Necessidade de fantasiar e intelectualizar
4 - Crises religiosas
5 - A vivência do tempo
6 - A sexualidade
7 - Atitude social reivindicatória
8 - Condutas contraditórias
9 - Separação progressiva dos pais
10 - Constantes flutuações do humor



Busca de si e da Identidade

Quem são os adolescentes? há controvérsias referente ao grupo que englova essa faixa da população.  Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) são os jovens dos 10 aos 19 ano, para a Organização das Nações Unidas (ONU) entre 15 e 24 anos, e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) estabelece entre 12 e 18 anos. Não existe consenso porque é realmente muito subjetivo. Entendo que o adolescente é quem vive o período de transição entre deixar de ser criança e a vida adulta, contextualizado pelo desenvolvimento físico, psíquico (mental e emocional) e social - esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às expectativas culturais da sociedade em que está inserido. Com tantas definições e conceitos diversos que nos são dados, é evidente a dificuldade de nós, adultos, temos de categorizar essa etapa. Ainda bem, seria roubar-lhes a alteridade.

Alteridade é a diferenciação do outro, é o que me distingue dos demais. Mas como me entender como único se sequer conseguiu-se entender quem se é?
Durante estes 8 a 10 anos, as mudanças de seu corpo, de seu rosto, sua sua voz de seus gostos, de seu entendimento sofrem transformações continuas, e é neste processo que o jovem tem de consolidar, assimilar, compreender, e escolher o que se é.

A identidade, "consciência que o indivíduo tem de si como um ser do mundo". O autoconceito vai se desenvolvendo, as identidades oscilam na transitoriedade que existem. Passam pelo complexo evolutivo psíquico de dissociação, projeção, introjeção e identificação até conseguir chegar ao processo de individuação através do conhecimento de si próprio e da consolidação do ego e, assim, do autoconceito.

Vamos ver se consigo fazer isso mais palatável ao leitor que só quer entender o que seu filho está passando. A cada nova situação, o jovem vai se percebendo e tentando se entender. Ele está criando a sua independência, mas ainda é dependente das idas e vidas dos pais. Precisa começar a fazer escolhas, mas ainda não conhece seus limites por que simplesmente ainda não os experimentou. Seus gostos mudam e ele se transforma numa esponja em busca novos modelos para identificar-se e experimentar-se nestes papeis. 
Vamos pegar o típico exemplo do jovem que aos 10 anos quer ser bombeiro, aos 12 veterinário, aos 15 advogado e processar o mundo, e aos 18 faz administração de empresas. Houve uma identificação com a coragem do bombeiro, há introjeção de resgatar os animais machucados do mundo e cuida-los, como gostaria que acontece-se com ele, quando quis ser veterinário, exerceu a projeção das suas frustrações na tentativa de deixar um lugar mais justo como advogado, até se dar conta que o mundo não é justo mas legal e burocrata, e acaba assentando como administrador de empresas e por aí vai.
Este exemplo nos leva mais ao adolescente que fomos só que ao jovem de hoje, que escolhe ser designer de games, cineasta, blogueiro... mas o processo é o mesmo. Na sua trajetória existencial, o jovem criará vínculos de integração social com as figuras significativas que irá reconhecer no seu processo particular.

Neste processo, Knobel discorre sobre as pseudo-identidades, destacando três. A Identidade Transitória são aquelas fases que o jovem passa que pode ser deste a escolha das profissões como mencionado acima, ou estilos que adota por determinado período experimentando. Há também uma Identidade Ocasional que se refere a como o jovem se comporta frente a novas situações. O adolescente mostra-se inconformado com determinada circunstância e na hora em que tem a possibilidade de expressar este descontentamento torna-se tímido de não saber como fazê-lo. Por fim, há uma Identidade Circunstancial apresentada dependendo com o grupo em que está inserido, num processo de mimetismo para adaptar-se aos diversos grupos.  



Separação gradual dos pais

Quem hoje tem filhos adolescentes é por que de alguma maneira sobreviveu a sua própria adolescência. Sim, foi uma época difícil pra nós e com certeza para nossos pais. A dinâmica natural é de que os papéis que ocupamos mudem. Permita que seu filho cresça também.

Transições são difíceis para todos, mexe com o status quo dele (jovem) e, por consequência, da família. Mas, para alcançar a vida adulta, é essencial que o distanciamento dos pais aconteça.  Na busca da tal identidade, o jovem precisa rever seu papel. Assim como as suas roupas já não servem mais, ele não pode e não deve seguir com o comportamento infantil. A família muito gostaria de mantê-lo sob a sua asa para protegê-lo, mas, se o jovem recorrer aos pais para resolver suas questões, como irá desenvolver sua autoestima? Como vai aprender que é capaz de lidar com a diversidade e com as frustrações?

A maturidade emocional irá se desenvolver à medida que o adolescente percebe que da conta das vicissitudes da vida. O papel dos pais é, gradualmente, também ir deixando que eles resolvam seus problemas. Vejo famílias queixarem-se da imaturidade dos adolescentes, mas nós pais precisamos dar espaço para que eles cresçam. O advento do celular faz com que os pais monitorem seus filhos à distância o tempo todo, seja sabendo onde está, para resolver suas questões ou dar instruções de como proceder neste ou naquele caso. Quem não gosta de estar cômodo? E como sair desta zona de conforto se nós pais não permitimos que nossos filhos errem? Possibilitar que seu adolescente cresça é deixar que ele aprenda a busca-lo como última instância e não na primeira dificuldade.

Respeite e dê suporte de maneira assertiva, assim irá mostrar ao seu adolescente que você acredita nele. Afinal, foi você quem o acompanhou até aqui.

Ajudar o jovem a passar da dependência infantil para a maturidade, quebrando os laços da dependência, às vezes é como puxar band-aid. O jovem vai exigir direitos e se atrapalhar com os deveres. Tudo bem, você também passou por isso. Passou por frustrações, errou na escolha, e transgrediu em alguns momentos. Porém, quando passamos por frustrações, aprendemos que elas não nos arrasam, e sua resiliência vai se fortificando. Más escolhas têm consequências e nos ajudam a ponderar melhor na próxima vez. E transgredir é testar os novos limites. Permitir ao jovem e aos pais este afastamento é fundamental para os novos papéis que precisam ser reconfigurados. É rever os limites e gradualmente deixa-lo voar.


Tendência Grupal

No processo de transição, o jovem ao recorrer ao grupo, busca a proteção que antes recebia da família. Ele ainda não dá conta de andar com as suas próprias pernas. Neste período que esta engatinhando na sua nova fase, o grupo é quem oferece este suporte. Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do grupo que ele escolher e se sentir aceito. O jovem está se testando e ser aceito no grupo irá validar seu novo papel. Porém, a dependência destes grupos às vezes os torna reféns da aceitação, do julgamento, de provações. Por isso, o bullying nesta fase é tão drástico.

Existem adolescentes que tem uma facilidade natural de liderar, o que está ligado a quanto a sua autoestima está constituída. Porém, a maioria dos jovens ainda não tem a consciência e/ou o autoconceito estabelecido, e, então, ele se torna facilmente manipulável e vulnerável as vontades do seu grupo.

Trabalhar a autoestima do adolescente para que confie na sua capacidade é o melhor recurso nesta árdua trilha do amadurecimento. Trabalhos terapêuticos de grupo onde um mediador (terapeuta) ajuda a pontuar o papel do adolescente no grupo, trabalhando a autoestima, autoconceito e auto aceitação são recomendados. A maioria das questões jovens são tratadas entre os próprios adolescentes, que percebem que suas inseguranças são comuns a outros, e eles não são os “esquisitos” como costumam se categorizar. Pais, professores, ou qualquer um que queira colocar-se numa posição assimétrica ao jovem não serão aceitos. Nesta fase, eles estão rompendo com a figura de autoridade buscando a sua própria capacidade e independência. O terapeuta só terá ascensão se partir da fala e conduta do próprio jovem. É nessa época que nossos pais não sabem nada, e não nos entendem.

O adolescente busca a camuflagem da uniformidade e ao mesmo tempo precisa se sentir único. Por isso, existe uma alternância entre a necessidade de estar com a sua turma e ter outros momentos de introspecção e isolamento onde ele repensa, valida e elabora sua participação nestes novos grupos sociais.

A ambivalência é emblemática no adolescente, e irá gerar outra série de sintomas da adolescência normal. 


Necessidade de Fantasiar e intelectualizar

Quando tudo está mudando - seu corpo, suas relações, sua compreensão do mundo -, o novo playground é a mente. Será na cabeça que ele irá se esconder e elaborar o que dá conta ou não. Este é o sintoma que ocorre nos momentos de introspecção e em que o adolescente se isola. Ele precisa deste período para ir assimilando e acomodando as suas novas experiências. Irá criar planos incríveis e mirabolantes a respeito dele e deste novo mundo que ele esta descobrindo com sua independência. As frustrações também serão elaboradas das perdas sofridas, do sentimento de desamparo e da impotência de quem ainda não conquistou sua autonomia. O adolescente está testando, criando e experimentando-se na assimilação deste novo horizonte que tem a frente.


A fantasia nada mais é que a necessidade de fugir do presente e de tantas incertezas. Na privacidade da mente, ele elabora os personagens, outorgam-se poderes para lidar com o reajuste emocional que está passando.




Crises Religiosas


É comum o adolescente passar por uma fase que pode ir desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais fervoroso. O pensamento mítico é mais um mecanismo de defesa que o adolescente irá buscar em seu arsenal para lidar com as mudanças que está sofrendo. Ele pode apresentar curiosidade por diversas religiões e eventualmente frequentar cultos distintos muito próprio da pseudo-identidade Transitória que descrevi em "Busca de si e da Identidade", assim como aspectos da pseudo-identidade circunstancial que o grupo em que está inserido vá frequentar, defender ou contestar este ou outro crença religiosa.
A perda da identidade corporal resulta em ter de enfrentar o conceito de vida e morte, e, neste processo, rejeição e aceitação vão se interpondo até que o adolescente consiga elabora-lo.



Deslocamento temporal

É onde o pensamento adquire as características de pensamento primário. Na psicologia, pensamento primário é regido pela satisfação imediata, dos instintos e do desejo. Tudo é muito intenso, imediatista e viver em função de um longo ou médio prazo parece impossível. Há dificuldade de se organizar no tempo e priorizar o que não está na satisfação dos seus desejos. O Adolescente tem dificuldade em diferenciar o externo do interno, infantil do adulto e presente, passado e futuro. Por isso, os comportamentos de risco são tão comuns neste período. O imediatismo gera imprudência e o significado do presente na incapacidade de se projetar no futuro oportuniza comportamentos inconsequentes. 




Evolução Sexual

O que fazer com este corpo em ebulição? Descobrir-se neste novo corpo é uma parte importante da adolescência. A exploração do seu corpo e do prazer sexual inicia com a manipulação, a masturbação, até a busca de parcerias, jogos de conquista, amor romântico, paixões intensas e fugazes.

A sexualidade atua como uma força impetuosa, uma erupção sobre o indivíduo. Algo além do seu corpo que se impõe a sua identidade ainda em formação e completo entendimento.


A culpa e a ansiedade caminham juntas neste processo da evolução sexual, e, às vezes, as válvulas de escape para esta tensão podem ser comportamentos como: roer unhas, sugar lábios, gagueiras, levar mãos aos lábios e mexer no cabelo. Um cuidado especial para os distúrbios alimentícios nesse período, que é consequência da desmedida preocupação com a imagem corporal ou negação dela.



Atitude social reivindicatória


Este sintoma é um dos que muitas vezes deixam os pais de cabelo em pé. Mas ainda bem que ele acontece, por que é a sementinha das mudanças na sociedade. A necessidade do jovem de quebrar com o status quo (seja em oposição à família ou à sociedade) é compensatória para lidar com as suas frustrações, raivas, rejeições e até comportamentos destrutivos. Estes sentimentos são canalizados para um engajamento social. . As 'injustiças' sociais, burocracia... são alvo de revolta e de atitudes que infelizmente são coibidas por adultos conformados com o padrão social vigente. Na perspectiva do adolescente, não é ele que está mudando, são os pais e a sociedade que se negam a ter com ele uma atitude provedora e protetora. 


Contradições sucessivas de Conduta

Por todas as mudanças físicas e emocionais que o adolescente está passando, não tem como manter uma postura rígida e contínua. Logo, as mudanças constantes são tanto esperadas como necessárias.

São expressões das pseudo-identidades do adolescente que vem se testando no mundo. Como vimos no sintoma de busca da sua identidade. 
Usando uma metáfora da roupa: a roupa de criança já não serve mais apesar do jovem ser muito apegado a ela. Mas francamente já não serve mais. O jovem então vai em busca de um estilo, da roupa que melhor lhe serve. Nisso ele vai experimentar várias fases ou estilos, até descobrir o que melhor combina com seu jeito de ser.


Flutuações do humor com predomínio depressivo

O humor pode variar muitas vezes ao dia, o que leva a choros e euforias preocupando a família. Essa mudança caminha de mãos dadas com os sintomas do deslocamento temporal, as contradições de conduta e a evolução sexual. Como não sofrer destas insanas flutuações de humor vivenciando isso tudo? Faz parte do processo. Pequenas conquistas podem levar a demonstração de grande entusiasmo.

Um pequeno contra tempo tem o efeito inverso e leva a tristeza "desproporcional"  aos olhos do adulto. Atenção a esta instabilidade emocional. Existe uma tênue linha entre a introspecção e a depressão real que precise de tratamento adequado.

Labilidade emocional, ou instabilidade emocional, na maioria das vezes é produto do estresse gerado pela quantidade de mudanças que o jovem está passando. Porém, esta volatilidade pode se retroalimentar causando outros danos à saúde do indivíduo.

Um comentário:

Unknown disse...

Muito boa esta materia - aula.
Gosto muito da abordagem, quando trabalhei no Programa do adolescente coordenado pela Dr. Albertina Takiuti, utilizamos muito a teoria do Dr. Mauricio Knobel, a quem tive o privilégio de conhecer pessoalmente.
Parabens

Clóvis Tadeu Dias